
Isabel GonçalvesNa sua família é fácil falar de dinheiro? Seus pais te educaram financeiramente para saber organizar suas finanças ou você teve que aprender tudo na marra? Comigo foi aquele clássico “toma aqui uma mesada” e eu fui entendendo aos poucos o que eu podia e o que não podia fazer.
Minha mãe, formada em administração e trabalhando com números o dia inteiro, já está anos luz na minha frente. Lida com seguro do carro, seguro de vida, paga escola, plano de saúde, recebe aposentadoria e ainda sobra um pouquinho para investir. E aí veio a dúvida, e quando chegar o dia que ela não vai conseguir mais administrar o próprio dinheiro? Será que eu vou dar conta de tudo?
O meu dia ainda não chegou, mas muitos jovens e adultos precisam lidar com a perda da autonomia dos pais, por causa de doenças que afetam o cérebro, o corpo ou até a simples e inevitável velhice. Por isso, a pergunta que fica é: como administrar um dinheiro que não foi você que construiu?
É a ordem natural da vida, um dia você vai ter cuidar de quem cuidou de você. E essa responsabilidade também é financeira. Doenças como alzheimer, parkinson e demência exigem atenção redobrada. Elas afetam diretamente a capacidade de julgamento, memória e coordenação motora, o que torna a gestão do dinheiro algo não só complicado, mas perigoso.
Ah, e nem sempre a perda de autonomia financeira vem de um dia para o outro. Às vezes ela chega aos poucos, com esquecimentos que parecem bobos: um boleto pago duas vezes, um cartão bloqueado por erro de senha, uma compra por impulso que nunca teria sido feita antes. E é aí que começam os sinais de alerta. Nessa fase, decisões simples do dia a dia podem ter consequências graves: cair em golpes, fazer transferências erradas ou deixar de pagar contas importantes.
Então, chega um ponto que os filhos devem entrar em ação, assumindo o controle de maneira respeitosa, sem esquecer de manter a dignidade dos pais.
Antes de tudo, para conseguir identificar os sinais é preciso ficar atento aos hábitos e à vida financeira dos seus pais. Com essas informações fica mais fácil identificar quando as coisas saem do rumo.
Alguns sinais importantes são:
Uma outra dificuldade bem comum é na hora de lidar com as contas de banco em apps que resolvem a vida dos mais novos, mas complicam o acesso dos mais velhos. O processo de validação no celular ou nos terminais de atendimento vira uma tarefa quase impossível, até porque os mais velhos podem até perder as digitais. Ah e se você perceber que eles estão recebendo muitas ligações “de banco”, “do INSS” ou propostas de investimentos milagrosos, acenda o alerta, provavelmente é golpe.
Mudanças de comportamento também contam: pais que sempre foram organizados e agora se mostram desinteressados, confusos ou evitam falar sobre dinheiro podem estar passando por uma fase difícil. Por isso, prestar atenção nos extratos bancários e nos comportamentos de consumo é essencial.
Assumir a organização financeira também é sobre planilhas e boletos. Para evitar confusão, o ideal é começar com o básico. Ter um panorama claro da situação financeira já pode facilitar (e muito) sua vida no futuro.
Depois da conversa difícil, vem os documentos, senhas e contas. Faça uma lista das principais informações que você precisa saber: senhas e contas bancárias, faturas de cartão de crédito, comprovantes de renda como aposentadorias ou pensões, documentos de imóveis, carros ou outros patrimônios, contratos de seguro, plano de saúde, previdência privada e investimentos.
Dica: vai atrás da declaração do Imposto de Renda e do Registrato para poupar mais da metade do seu trabalho. Ufa, depois de passar por tudo, digitalize e armazene em um local seguro.
Mas não é só saber a senha do banco e pronto, muitas vezes você vai precisar de autorização legal como uma procuração ou curatela. A procuração acontece quando os pais ainda têm autonomia, mas querem que os filhos sejam representantes legais dele. O pior é quando o juiz precisa intervir, decretar a incapacidade e aí o filho se torna “curador”, que acontece quando a pessoa não tem mais condições de tomar decisões por conta própria.
Aí as coisas complicam ainda mais. Gastos com consultas, exames, remédios e até cuidadores começam a fazer parte da rotina e o orçamento precisa dar conta disso.
Por isso, se você é quem está no controle, pesquise maneiras de como economizar. Procure um plano de saúde mais em conta, mas que atenda todas as necessidade dos seus pais, economize em remédios com a Farmácia Popular ou até descubra como fazer o dinheiro render mais para investir em saúde e qualidade de vida.
Antes de tudo, é importante pesquisar e investir em uma boa educação financeira. A organização e simplicidade aqui vai ser o ponto chave.
Colocar todas as contas fixas em débito automático ajuda a não esquecer os pagamentos importantes. Cancelar serviços desnecessários ou esquecidos vai aliviar o orçamento. Usar um único cartão de crédito e uma ou duas contas bancárias deixa as coisas menos confusas.
Ah, e se o problema é a dificuldade dos seus pais com a tecnologia, porque não voltar para o analógico? Desinstalar o app do banco pode evitar muitos riscos. Além de que, com seus pais saindo de casa para ir à agência, eles podem até socializar com o gerente.
Os idosos são os alvos preferidos dos golpistas. Eles normalmente têm renda estável (como aposentadoria), são educados e, muitas vezes, não desconfiam de abordagens suspeitas. Por isso, oriente seus pais a não atender chamadas desconhecidas, às vezes vale até desativar funções como o SMS para evitar links suspeitos.
E saiba que antes disso, podem vir os famosos descontos indevidos no INSS. Seja de associações, sindicatos ou mesmo de consignados não autorizados. Por isso, mantenha os dois olhos sempre abertos, e dos seus pais também.
No fim das contas, assumir as finanças dos seus pais é como virar gerente de um banco… só que o cliente também é seu pai, sua mãe, seu coração e, às vezes, seu maior desafio. Você agora ocupa um novo lugar na vida deles e eles, na sua. Tem boleto, tem emoção, tem conflito de gerações e, vez ou outra, tem aquela vontade de jogar tudo pro alto, mas você respira, organiza os extratos e segue.
Não precisa ser perfeito, só precisa ser feito com carinho, paciência e uma planilha decente. Porque cuidar do dinheiro deles é só mais uma forma de agradecer por todo o investimento que eles já fizeram em você. E aos poucos você entende que amor também mora nesses gestos silenciosos.