
Alexia DinizLogo cedo, na segunda-feira, o telefone do escritório tocou com um aviso estranho: “tem banco ligando dizendo que vocês não repassaram um desconto em folha, referente ao Crédito do Trabalhador”. A contadora ficou sem entender. Ela jurava que estava tudo em dia. Foi só quando o RH abriu o Portal Emprega Brasil que descobriu: um dos funcionários havia contratado um empréstimo consignado através da Carteira de Trabalho Digital, conhecido como Crédito do Trabalhador ou Empréstimo Consignado CLT e… surpresa! A empresa tinha recebido um aviso oficial no DET, mas ninguém leu. O recado ficou lá, esquecidinho na plataforma e no email.
Do outro lado, o funcionário, animado com o crédito, já estava com o dinheiro na conta. Só que, para o banco receber a parcela, a empresa precisava ter lançado o desconto na folha, gerado a guia e pago. Como nada disso aconteceu, o prejuízo bateu na porta.
Trata-se de uma iniciativa do governo para facilitar o acesso a empréstimos com desconto direto na folha de pagamento. Assim como funcionários públicos e pensionistas do INSS, com o Crédito Consignado Privado, algumas categorias de trabalhadores do setor privado e quem tem carteira assinada passam a poder contratar diretamente, e o banco tem maior segurança no recebimento.
Mas para isso funcionar, é necessário que a empresa participe: ela é quem desconta do salário, lança no Portal Emprega Brasil, gera a guia e paga. Parece simples, mas envolve diversos sistemas e prazos.
Se qualquer uma dessas etapas for ignorada, a empresa corre o risco de ser considerada inadimplente e ainda pode ser responsabilizada pelo valor não repassado ao banco.
Segundo as regras, isso não é desculpa. O DET é a plataforma oficial de comunicação entre o governo e o empregador. E mesmo que o e-mail não tenha sido lido ou tenha ido para o spam, a responsabilidade continua existindo. O que vale é o aviso dentro do sistema.
Portanto, é fundamental que o RH consulte o DET todo mês, especialmente a partir do dia 21, quando os avisos de empréstimo costumam ser enviados.
O valor a ser descontado deve ser exatamente aquele informado pelo banco, lançado com a rubrica correta no eSocial (9253) e respeitando o limite de 35% do salário líquido do trabalhador.
Se o salário estiver mais baixo no mês (por motivo de férias, ausências, plano de saúde, etc.), pode ser necessário fazer apenas um desconto parcial. Nesse caso, a empresa precisa comunicar o trabalhador, que ficará responsável por negociar o restante com o banco.
Se o desligamento ocorrer antes do início dos descontos, a empresa simplesmente não precisa fazer nada.
Por outro lado, se a demissão acontecer no mesmo mês em que o desconto começa, a empresa deve lançar a parcela normalmente. E, se houver salário suficiente na rescisão, o valor pode ser descontado, sempre respeitando o limite legal de 35% da remuneração.
Além disso, a empresa não tem autorização para antecipar várias parcelas de uma só vez. Ou seja, mesmo que o funcionário tenha saldo disponível, apenas a parcela do mês vigente pode ser descontada.
Na prática, o trabalhador precisa seguir o prazo original do empréstimo. Não dá para acelerar a quitação, mesmo que ele queira resolver tudo de uma vez.
A legislação é clara: empréstimos consignados do Programa Crédito do Trabalhador não podem ser descontados do 13º salário. O sistema do eSocial inclusive bloqueia esse tipo de lançamento.
Caso o trabalhador tenha sido desligado e não haja verbas que possam ser usadas para o desconto, a empresa deve apenas informar ao banco. A cobrança seguirá de forma direta entre banco e trabalhador.
Depois da dor de cabeça, a empresa mudou alguns processos:
Buscando não sair prejudicada ou acabar tendo que pagar multas por um empréstimo que nem estava ciente.
Durante muito tempo, a empresa centralizava o processo do empréstimo consignado. O funcionário fazia o pedido, o RH autorizava, a contabilidade processava e, no fim, tudo seguia sob controle. Os casos eram pontuais, e o trâmite, previsível.
No entanto, com a chegada do Crédito do Trabalhador, esse cenário mudou completamente.
A proposta do governo até faz sentido: facilitar o acesso a crédito mais barato para quem realmente precisa. Porém, do lado da empresa, a realidade é outra. Não há nenhuma compensação, nenhum suporte adicional, às vezes, nem mesmo um aviso claro.
Tudo depende de uma estrutura interna organizada, atenta e eficiente. E se faltar qualquer uma dessas peças, o risco de prejuízo é todo da empresa.
Agora, o governo joga a bola direto para o trabalhador. Ele contrata o crédito por conta própria e, em seguida, espera que a empresa faça todo o resto: correr atrás do desconto, repassar os valores, emitir as guias e não errar em nenhuma etapa.
E o que a empresa ganha com isso? Absolutamente nada. Não entra um centavo de comissão ou benefício. Pelo contrário, sobram apenas responsabilidade e retrabalho.
Além disso, o RH e a contabilidade precisam gastar horas em lançamentos, conferências, prazos apertados e portais que, frequentemente, estão fora do ar. Como consequência, se alguma etapa falhar (mesmo sem má-fé) a empresa ainda pode ser cobrada judicialmente, pagar juros, arcar com multas e, de quebra, virar a vilã da história.
No fim das contas, há responsabilidade sem controle e custo sem escolha. O trabalhador contrata o empréstimo, mas, se o processo der errado, quem paga o pato é a empresa.